Sunday, July 17, 2011

CORRUPCAO DO BRASIL

Corrupção: os porquês de nossa aparente passividade, e possíveis saídas(I)
Bolívar Lamounier.
O que motivou o Reinaldo foi um artigo publicado no dia 7 deste mês pelo jornalista Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El País. Como tantos de nós temos feito, Arias perguntou onde estão os brasileiros indignados. Por que não ocupam as praças para protestar contra a corrupção e os desmandos?
Com sua habitual precisão, Reinaldo começa observando que a resposta não é simples nem linear: as praças estão vazias devido a uma conjugação de vários fatores. No essencial, porém, ele diz que o “povo” não está nas ruas porque foi privatizado pelo PT; porque o PT compra, por exemplo, o MST com o dinheiro que repassa a suas entidades; porque a outrora gloriosa UNE hoje é apenas uma repartição pública alimentada pelo lulo-petismo com milhões de reais; porque a CUT e as outras centrais sindicais, tão vigilantes nos tempos de FHC, também se tornaram sócios bem-remunerados da corrupção dos últimos anos, e convenientemente esqueceram, como é óbvio, suas antigas críticas ao Imposto Sindical, cobrado compulsoriamente dos trabalhadores, sejam sindicalizados ou não.
O Imposto, como ninguém ignora – diz Reinaldo -, “é a fonte que alimenta as entidades sindicais e as próprias centrais, que não são obrigadas a prestar contas dos milhões que recebem por ano. As esquerdas dos chamados movimentos sociais estão engajadas, mas em defender o governo e seus malfeitos. Afirmam abertamente que tudo não passa de uma conspiração contra os movimentos populares. As esquerdas infiltradas na imprensa demonizam toda e qualquer reação de caráter legalista. Ao longo dos quase nove anos de poder petista, a sociedade brasileira ficou mais fraca, e o estado ficou mais forte; não foi ela que o tornou mais transparente; foi ele que a tornou mais opaca. Em vez de se aperfeiçoarem os mecanismos de controle desse Estado, foi o Estado que encabrestou a sociedade civil”.
E OS “CARAS-PÁLIDAS”, POR ONDE ANDAM?
Aí está, em grandes linhas, o triste quadro pintado por Reinaldo Azevedo. O problema, infelizmente, é que ele piora bastante à medida em que lhe acrescentamos certos fatores demográficos e sociológicos sabidamente relevantes; por exemplo, a descontinuidade da memória coletiva em relação às duas principais mobilizações dos últimos 30 anos. Dezoito anos se passaram desde o movimento pelo impeachment de Fernando Collor, e 26 desde a campanha das Diretas-Já.
De meados dos anos 80, quando assistimos ao restabelecimento do poder civil e da democracia, uma geração inteira entrou em cena. Qualquer pesquisa que se faça mostrará que a geração mais jovem simplesmente ignora o que se passou nessa época; hoje, a própria expressão “caras-pintadas” designa um um fato histórico já meio perdido nas brumas do tempo.
Recapitulando um pouco, eu me propus abordar o assunto por meio de três indagações:
Por que há tanta corrupção?
Por que a sociedade não reage; como se explica tamanha passividade?
É possível imaginar uma situação futura na qual uma parcela ao menos dos cidadãos rompa essa passividade e se comporte como uma verdadeira “comunidade moral”? Que podemos fazer de prático para que isso aconteça?
Hoje, vou repisar alguns aspectos da primeira indagação e me concentrar na segunda; deixo para amanhã o desafio maior, que é o de sugerir providências práticas.
POR QUE HÁ TANTA CORRUPÇÃO?
Esta pergunta não comporta uma resposta única ou consensual, mas alguns pontos parecem-me bastante bem ancorados. Pensemos, inicialmente, no aspecto internacional: a incidência da corrupção entre países. Dada a virtual impossibilidade de se medir de fato a quantidade de corrupção, muitos pesquisadores utilizam uma medida subjetiva: a quantidade de corrupção percebida por um grupo de avaliadores, ou por uma amostra qualquer da sociedade. Convenhamos que não é uma solução satisfatória. De qualquer modo, há estudos estatísticos mostrando o óbvio: a corrupção percebida é mais alta em países mais pobres. Essa constatação sem dúvida envolve um círculo vicioso ou, se preferem, um efeito inercial; se há muita corrupção, é porque os transgressores lograram montar e mantêm uma complexa organização, esquemas de proteção etc que o poder público, com seus parcos recursos, não consegue combater de forma eficaz.
Observe-se, porém, que estudos desse tipo baseiam-se em comparações estáticas (sincrônicas), tomando certo número de países num mesmo momento do tempo. Se pudéssemos documentar o que ocorre num mesmo país através de um dilatado período de tempo – ou seja, na perspectiva diacrônica -, constataríamos o oposto, isto é, que a corrupção cresce à medida em que a renda total da sociedade e a mobilidade da riqueza aumentam. Dizendo-o de outra forma, a corrupção não diminui à medida em que a riqueza aumenta: ela aumenta, durante um longo período, à medida em que a economia se desenvolve.
Um terceiro ponto que vários estudiosos brasileiros têm sugerido e pesquisas internacionais têm confirmado, é que a corrupção tende a ser tanto maior (ceteris paribus) quanto maior o controle do Estado sobre a economia e mais acentuada a participação dele como responsável direto por uma grande parcela das atividades produtivas.
Finalmente, e aqui vou fazer uma afirmação passível de controvérsia, o conjunto de forças políticas que chegou ao poder no Brasil nos últimos anos parece imbuída de certas concepções de política, de crescimento econômico e mesmo de Estado assaz desfavoráveis a um esforço sustentado de combate à corrupção. Falta-lhe, desde logo, uma compreensão rigorosamente impessoal do Estado, por sua vez imprescindível num projeto político efetivamente modernizador.
Por essa ou por outras razões, as referidas forças têm-se mostrado lenientes com a corrupção, ou pouco propensas a enfrentá-la; é o que me parece, embora a presidente Dilma Rousseff me pareça merecer o benefício da dúvida em função de algumas atitudes que tem assumido.
O leitor poderá estranhar eu não haver incluído em minha lista alguns dos argumentos mais comuns, ou mais tradicionais: aqueles que invocam a nossa “origem ibérica”, a “cultura brasileira”, o “caráter nacional” etc; não se trata de implicância ou dogmatismo, e sim de certa dificuldade que encontro toda vez que me proponho verbalizá-los com o desejável rigor lógico.
POR QUE A SOCIEDADE NÃO REAGE?
A passividade real ou aparente da sociedade brasileira já em parte se explica pelas razões acima, mas três outros fatores me parecem igualmente essenciais.
O primeiro é o desempenho da economia: a inflação sob controle desde meados dos anos 90, e o forte crescimento do PIB e da renda nos últimos cinco anos. Como é arqui-sabido, esta combinação de fatores econômicos propiciou índices de aprovação extremamente elevados ao governo Lula, com duas importantes decorrências no que tange ao ânimo contestatório da sociedade. Por um lado, nas condições apontadas, o presidente anterior não teve dificuldade em “anestesiar” a sociedade com sua retórica e sua fértil imaginação, prevenindo (sobretudo junto ao “povão”) o aparecimento de algum foco de insatisfação eventualmente portador de questionamentos éticos. Pelo outro, uma acentuada relutância entre os políticos – aqui me refiro a todos, governistas e oposicionistas, desde os senadores e deputados federais aos vereadores do mais humilde município – a assumirem um discurso contundente, e já nem falo em ações mais expressivas de contestação.
A segunda razão que desejava mencionar é que a mobilização da opinião pública e a ocorrência de manifestações de protesto dependem muito do tipo de problema ou de malfeito que estejamos analisando. Uma coisa é o que os americanos denominam bread-and-butter issues: problemas econômicos. A instabilidade da moeda (quem não se lembra da super-inflação que nos atormentou durante décadas?) e carências agudas soem despertar protestos de forte intensidade e bastante amplos, espraiando-se, no limite, para o país inteiro. Mas é ingenuidade imaginar que protestos comparáveis tenham alta chance de acontecer em relação a problemas “meramente” políticos, infrações éticas ou mesmo a escândalos de corrupção, por afrontosos que estes sejam. Esta afirmação pode causar espécie e dar ensejo a irritadas objeções: como foi então que milhões de brasileiros foram às ruas por ocasião da campanha pelas Diretas-Já e novamente quando do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo?
A diferença, no meu modo de ver, reside na configuração política daqueles dois fatos; no fato, melhor dizendo, de ambos haverem adquirido uma feição nítida e dramaticamente plebiscitária, condição que não se repetiu nenhuma vez desde então. Por configuração plebiscitária deve-se entender uma situação percebida e vivida como um confronto entre dois e somente dois lados. Sim ou não, preto ou branco, aceitar ou não aceitar. Questões éticas e escândalos de corrupção não necessariamente se apresentam como uma contraposição radical entre dois lados.
No caso de Collor, o caráter de confronto se estabeleceu basicamente em virtude – atenção!!! – da percepção generalizada de que o próprio presidente da República e sua família estariam envolvidos em práticas de corrupção. Depois dele, o paralelo mais próximo teria sido a situação de Lula durante a crise do mensalão, mas em nenhum momento ele chegou a ser percebido nos mesmos termos.
Contra a minha avaliação, pode-se evidentemente levantar uma série de “ses”: se a oposição tivesse sido mais contundente, se a Rede Globo tivesse feito isto ou aquilo…Pode ser, tudo é possível; neste texto, não tenho como correr atrás de todas essas possibilidades.
Em terceiro e último lugar, a participação política da sociedade é dificultada por um conjunto de fatores abundantemente estudado pelos cientistas políticos. Este ponto tem tudo a ver com aquele que é o argumento não apenas mais comum, mas provavelmente o mais sofrido de quantos temos ouvido ultimamente: a despolitização do povo brasileiro.
Aqui estamos nas cercanias da auto-flagelação. Para muitos, o problema é o subdesenvolvimento, a pobreza, os índices educacionais pavorosamente baixos da maioria dos brasileiros. Para outros, já é uma questão cultural, ou de caráter; a esta altura, estamos todos metidos num convívio generalizado com a corrupção; com tal elenco, afirma-se, não tem jeito mesmo; ninguém quer saber de nada, que dirá de ética; esse quadro, dizem os mais angustiados, não muda em menos de 500 anos.
Sim, o povo brasileiro é despolitizado. Num país de baixa renda e com tamanhas carências educacionais, esta afirmação pode ser considerada óbvia. Mas vamos com calma. Aqui, é essencial levar em conta o conhecimento acumulado sobre participação política, que remonta ao segundo após-guerra e abrange praticamente todos os países do mundo. Existe evidentemente uma relação entre status social (renda, nível educacional) e politização. Por politização devemos entender uma disposição a participar (uma propensão psicológica); tal disposição inexiste, ou não adianta muito, quando o indivíduo carece de certos recursos fundamentais, como a educação, já mencionada, o pertencimento a grupos sociais que a reforcem etc etc. No frigir dos ovos, o que importa é portanto a capacidade de acompanhar os acontecimentos de maneira atenta e sustentada, a ponto de assimilar, contextualizar e processar criticamente as informações.
Assim entendida, a politização é um fato muito mais raro do que se imagina; qualquer que seja o país tomado como referência, o cidadão médio é muito, mas muito menos politizado do que as pessoas de alto nível educacional em geral supõem.
Ora, se a afirmação anterior vale para o “cidadão médio” (não importando aqui o método empregado em tal mensuração), é evidente que a noção de “despolitização” se aplica a fortiori aos estratos menos escolarizados: ao “povão”. Neste nível, princípios políticos abstratos são pouco compreendidos, para não dizer quase universalmente ignorados, portanto pouco relevantes.
O que têm “princípios políticos abstratos” a ver com escândalos de corrupção? Ora, basta ler o caput do artigo 37 da Constituição: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Sim, de acordo, a turba que de tempos em tempos queima centenas de automóveis em Paris “participa”: manifesta sua insatisfação. Revolta-se. Não perde a chance de chutar o balde. Sim, participa, mas nem por isso deixa de ser uma turba; por pior que seja a situação dos integrantes daqueles grupos, por maior que seja o sofrimento deles, descrever seu comportamento como “participação cidadã” equivale a abastardar bastante este último conceito. Nada faz crer que sejam pessoas politizadas no sentido que acima dei a esse termo.
Outro ponto importante é que toda participação tem custos. Não precisamos nos deter aqui na definição técnica de tais custos ou nos métodos usados em sua mensuração. Basta lembrar que toda participação exige atenção, assimilação e processamento de informações, ou seja, no mínimo um custo em termos de esforço e de tempo. Envolve também riscos: isto os piromaníacos da periferia de Paris seguramente compreendem. Sempre há algum custo de oportunidade, dado que o indivíduo poderia empregar o tempo dedicado à participação noutra atividade: no lazer junto à família, por exemplo, ou assistindo a um programa na TV.
Pessoas cultas muitas vezes questionam esses empregos alternativos do tempo, torcem o nariz para os programas oferecidos pela TV etc. É uma atitude compreensível do ponto de vista de quem a sustenta, mas irrelevante pelo prisma do indivíduo hipotético a que estou me referindo, e portanto também irrelevante no que concerne à indagação de que eu parti no começo desta discussão.
O cidadão pode preferir tomar parte nas atividades que mencionei a participar de uma reunião política, e não deixa de ter razão, pois o grosso do trabalho político cabe às instituições: aos partidos, ao parlamento, aos juízes. A democracia é representativa, não direta; o cidadão delega poderes às instituições para que elas ajam por ele, e as financia com seus impostos. Se o desempenho delas fica aquém do necessário, é outro problema.
O cidadão de meu exemplo é hipotético, mas é, bem ou mal, um brasileiro, não alguém que tenha saído caminhando das páginas de Jean-Jacques Rousseau.
Permitam-me apontar aqui mais três dificuldades derivadas do que os cientistas sociais denominam a “teoria da ação coletiva”.
Primeiro, a exigüidade (em números relativos) da camada social que em tese teria maior disposição e recursos para participar. No Brasil, a relutância da parcela mais escolarizada da classe média em combater um governo apoiado pelo povão – mesmo estando descontente com ele ou considerando-o corrupto – será tanto maior quanto mais consciência tiver de sua inferioridade numérica. A este desestímulo é preciso acrescentar que uma parte desse estrato tenderá a racionalizar (descontar ) suas objeções éticas na medida em que sustente certas outras atitudes: preferências ideológicas ou partidárias, no caso dos petistas de alto status social, por exemplo. Isto significa que a influência política real dessa faixa da classe média não é tão grande quanto se imagina, e pode até estar em declínio.
Segundo, há o que se poderia chamar de efeito grão-de-areia. Em termos relativos, como indiquei no parágrafo anterior, a classe média escolarizada representa uma parcela diminuta do todo social. Contudo, em termos absolutos, essa parcela ainda é um conjunto enorme. É grande o suficiente para o indivíduo se sentir pequeno dentro dele. E quanto maior ele for, mais provável será o indivíduo se sentir insignificante. Num conjunto formado por milhões de pessoas, chegaremos inevitavelmente a este paradoxo: a maioria se sentirá irrelevante, impotente, ineficaz. Como milhões de grãos de areia tomados um a um.
E há, finalmente, o efeito free-rider: o caso do sujeito que prefere pegar carona na mobilização a participar dela. Quer o apreciemos moralmente ou não, esse comportamento é adotado por um grande número de indivíduos quando o objeto da reivindicação é um “bem público” (no jargão dos economistas). A expressão designa um bem indivisível: não há como provê-lo somente a alguns dos que participam de determinada ação. Sendo indivisível, ele será posto à disposição de todos ou de nenhum.
Imaginemos um bairro cujos habitantes subitamente não têm como utilizar um viaduto que consideram imprescindível; alguns assumem a liderança e convocam os potenciais interessados para pressionar a prefeitura. A ação surte efeito; a prefeitura apressa a reparação e o viaduto volta a ter condições de uso. A partir desse momento, todos podem utilizá-lo, não só os que arcaram com o custo da participação. Se o êxito da ação beneficia a todos, inclusive aos que não participaram dela, um indivíduo que tenha optado por não participar tenderá a pensar que optou acertadamente.
Voltando ao tema da corrupção, o problema é que “um governo ético” é um bem público. Não há como dividir o resultado e conceder uma parte maior dele aos que participaram da mobilização. Se a ação não der resultado, tudo bem, o individuo que optou por ficar à margem tem o consolo de não haver abdicado do lazer, do tempo que queria passar com a família, do assistir ao jogo de seu time etc. Se o resultado for positivo e o país ficar mais ético, ótimo, ele também sairá ganhando, pois ninguém poderá privá-lo do benefício.
Não por acaso, por maior que seja a indignação, o número de indivíduos que se queixam da passividade dos demais é sempre muito maior que o número de participantes efetivos. E estão certos; a indignação é um motivo necessário, mas não suficiente para produzir a ação coletiva. A maioria só vai à rua e à praça em momentos moral e politicamente críticos, quando líderes políticos de primeiro plano e os meios de comunicação entram em cena e todos experimentam uma identificação mais forte com a consciência do país. Foi o que ocorreu nas duas campanhas mais célebres: a das Diretas-Já e a do impeachment de Collor.
Sobre líderes e partidos políticos, não há muito a acrescentar. É óbvio que falta, no momento, uma elite política capaz de “jogar dentro da área”, leia-se capaz de servir como referência ao menos para aquela parte (não muito grande) da sociedade que talvez se dispusesse a participar com certa intensidade e regularidade. No Brasil isto é visível a olho nu, mas o fenômeno não é só brasileiro.
Não posso concluir sem mencionar outra dificuldade muito séria: a escassa participação dos meios de comunicação na vida política. Facilmente perceptível no Brasil, este é um fato do mundo atual; por toda parte, a TV é sobretudo um forma de lazer doméstico. Se o conteúdo político aumentasse muito, tomando o lugar de outras matérias a que os telespectadores estão habituados, com certeza haveria rejeição.
Imagine-se, a título de comparação, como era a vida dos cidadãos da baixa classe média ou da classe operária nas principais cidades da Europa ali pelos anos 20 do século passado. O continente inteiro vivia as seqüelas gravíssimas da Primeira Guerra; só isso já fomentava a discussão política. Acrescente-se que a participação era motivada ideologicamente (estava-se em plena “era da ideologia”), e era de certa forma um comportamento gregário, um motivo para ir à rua e ver outras pessoas: de lazer, o ambiente doméstico não tinha nada. A questão, portanto, não é só que a convocação era feita continuamente por líderes, sindicatos e partidos de direita e de esquerda: é também que havia estímulos à politização embutidos na trama da vida cotidiana.
Se algum leitor me acompanhou até aqui, com certeza estará mergulhado em atroz desânimo. Sendo tantos os obstáculos à participação, chega a ser surpreendente que certo número de pessoas bem ou mal tome parte em atos voluntários.
Qual é, afinal, a idéia? Desistir, pura e simplesmente? Dar por assentado que cidadania, valores, democracia são pura conversa prá boi dormir?
Meu pensamento vai no sentido oposto. Se o que desejamos é adensar o componente ético do mundo político, o primeiro passo é compreender melhor o que é, de fato, o mundo político; o segundo, entender que o mundo político, caso assimile alguma ética, com certeza não será uma ética puramente subjetiva e fundada em preceitos absolutos. Essa ética serve para o eremita, não para pessoas diuturnamente engajadas numa luta por posições de influência e poder.
Compreender o mundo político pelo prisma da participação significa, antes de mais nada, revisar nossas idéias a respeito do conjunto social. Pela Constituição, o Brasil tem cerca de 135 milhões de eleitores, mas a eleição é o único ato político ao qual a quase totalidade desses 135 milhões de fato comparece.
Para entender a participação, é mister efetuar sucessivos cortes nessa totalidade, dela subtraindo as parcelas que dificilmente atenderão a este ou àquele tipo de convocação. Com tal objetivo, melhor será imaginarmos a totalidade social como uma cebola, e não nos surpreendamos se, no final, tendo arrancado todas as cascas, só um pequeno cerne nos tiver restado nas mãos.
O resultado quantitativo pode parecer frustrante, mas não prejudica a nossa reflexão sobre a última das três questões sugeridas no início deste texto: faz sentido imaginar uma situação futura na qual uma parcela expressiva da sociedade saia da passividade e se comporte como

Monday, March 21, 2011

VISITA DE BARACK OBAMA AO BRASIL 19 A 20 DE MARZO DE 2011 FOI MAIS SIMBOLICA

- O Estado de S.Paulo
É bem mais que simbólica a importância da visita do presidente Barack Obama ao Brasil. Seu encontro com a presidente Dilma Rousseff pode abrir uma nova etapa de entendimento político e de parceria econômica benéfica para os dois lados. Já é o recomeço de uma conversa construtiva, interrompida mais de uma vez nos últimos oito anos, quando a diplomacia brasileira trocou o senso prático por uma estratégia fantasiosa de inspiração terceiro-mundista e claramente antiamericana. A presidente Dilma Rousseff tem dado sinais de pragmatismo e de uma compreensão mais adulta dos interesses nacionais. Em contrapartida, o presidente americano exibe a disposição de elevar o nível da relação econômica bilateral. "É hora", afirmou, "de tratar o diálogo econômico com o Brasil tão seriamente quanto tratamos com a China e a Índia."
É uma declaração reveladora de como o governo dos EUA tem avaliado, nos últimos anos, o entendimento com os três grandes países emergentes. Bravatas não bastaram para fazer do Brasil um interlocutor tão digno de atenção quanto os outros dois. Produziram, provavelmente, o efeito oposto. Com Dilma, o governo americano de certa forma redescobre o Brasil.
O presidente Obama avançou tanto quanto poderia, no esforço inicial de reaproximação. Em seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, falou sobre o compromisso dos dois países com a democracia e mencionou as mudanças políticas, econômicas e sociais do Brasil a partir da redemocratização nos anos 80. A classe média é hoje a maior fração da sociedade brasileira, disse Obama, e as oportunidades se estendem aos moradores das favelas. Foi um discurso calculado para demonstrar não só boa vontade, mas também respeito e admiração a uma sociedade em transformação. Mas o pronunciamento indicou, também, uma percepção nova do País.
O esforço de aproximação já havia ficado claro no dia anterior, em Brasília. Segundo o comunicado conjunto, o presidente Obama apoiou uma expansão "limitada" do Conselho de Segurança da ONU e manifestou "apreço" à aspiração brasileira de ocupar nesse organismo um assento permanente. Ficou muito longe do apoio explícito à pretensão indiana. A palavra "apreço" não envolve compromisso, mas é positiva. Os negociadores americanos poderiam ter simplesmente se recusado a fazer qualquer referência ao assunto, mas a declaração aprovada mantém o assunto em aberto.
Mas a relação Brasil-EUA envolve questões práticas muito mais importantes para os brasileiros. A presidente Dilma Rousseff mencionou, em seu discurso de saudação ao visitante, a necessidade de um comércio mais aberto entre os dois países. Lembrou, além disso, a conveniência de uma ação conjunta para a renovação da ordem econômica e financeira mundial.

O comércio bilateral tem sido afetado, há muitos anos, por distorções provocadas pela política dos EUA. Essa política afeta as condições de concorrência tanto pelo uso de subsídios quanto pela imposição de barreiras contra a importação. Setores brasileiros com alto poder de competição têm sido prejudicados por essas práticas.

O Brasil tem recorrido à OMC, com sucesso, contra práticas americanas consideradas abusivas, mas o governo dos Estados Unidos se recusa a abandonar as políticas condenadas. Os subsídios ao algodão são um exemplo.

Essas questões são especialmente importantes, porque envolvem a conquista de mercados, a produção e o emprego. No Rio, o presidente Obama defendeu a eliminação das barreiras comerciais. Mas a boa vontade não basta. No Congresso americano há forte resistência a novos acordos de liberalização comercial. Quanto ao governo brasileiro, não poderia negociar sem o Mercosul um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, sem antes vencer a oposição da Argentina, mais propensa ao protecionismo.

Uma grande oportunidade foi perdida, quando os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner decidiram enterrar o projeto da Alca. Estados Unidos e vários países latino-americanos acabaram fechando acordos bilaterais. O erro brasileiro facilitou a conquista de espaços nos Estados Unidos e na América Latina pelos chineses e outros competidores igualmente pragmáticos.

Não há como recuperar as oportunidades perdidas. Mas pode-se voltar ao caminho do bom senso. Os dois lados deram o primeiro passo.




Tuesday, January 25, 2011

BRASIL : SUPERAVIT DE LA BALANZA DE PAGOS EN 2010

Balanço de Pagamentos encerra 2010 com superávit de US$ 49,1 bilhões
Azelma Rodrigues Valor
25/01/2011 10:49Text Resize
BRASÍLIA - O Balanço de Pagamentos do país foi superavitário em US$ 49,101 bilhões em 2010 mostrou o Banco Central (BC), excedendo os US$ 46,651 bilhões somados um ano antes.
Em 2010, a conta de capital e financeira registrou ingresso líquido de US$ 100,102 bilhões. A conta corrente teve déficit de US$ 47,518 bilhões. A conta de erros e omissões foi negativa em US$ 3,484 bilhões.
Em dezembro, o saldo foi positivo em US$ 2,8 bilhões no Balanço de Pagamentos. No mês final de 2009, também houve superávit, de US$ 4,474 bilhões.
O Balanço de Pagamentos registra a conta de transações correntes (balança comercial, conta de serviços e transferências) e a conta de capital e financeira.

(Azelma Rodrigues Valor)

.

INVERSION EXTERNA (IED) SUMO US$ 48,6 MIL MILLONES EN 2010

BRASÍLIA - O ingresso de investimentos externos diretos (IED) líquidos no país somou US$ 48,462 bilhões em 2010, ou 2,33% do Produto Interno Bruto (PIB), superando a meta de US$ 38 bilhões estipulada pelo Banco Central (BC) para o período. Em 2009, os ingressos líquidos de IED corresponderam a US$ 25,949 bilhões (1,62% do PIB).
Somente em dezembro de 2010, houve entrada líquida de US$ 15,364 bilhões em IED, ante US$ 5,109 bilhões ingressados em mesmo período do exercício antecedente.
Os dados levam em conta também os empréstimos intercompanhias, aqueles feitos pela matriz da multinacional para a subsidiária brasileira. Além disso, abatem as remessas feitas por conta de ganho do capital investido.
O BC informou que, do total ingressado em 2010, US$ 40,141 bilhões foram participação no capital. Foi registrada ainda entrada líquida de US$ 8,321 bilhões em empréstimos intercompanhias.
Quanto ao investimento brasileiro direto no exterior (IBD), houve aplicações líquidas de US$ 11,5 bilhões em 2010, com US$ 4,7 bilhões somente no mês final daquele ano.

(Azelma Rodrigues Valor)

.

Sunday, January 9, 2011

PROJECOES DA ECONOMIA BRASILEIRA 2011

Brasília – Analistas do mercado financeiro consultados pelo Banco Central (BC) mantiveram as projeções para o crescimento da economia. A estimativa para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) – soma de todos os bens e serviços produzidos no país – permanece em 7,61% para 2010, e em 4,5% para 2011. As informações constam do boletim Focus, publicação semanal elaborada pelo BC com base em estimativas de analistas do mercado financeiro para os principais indicadores da economia.
A expectativa para a expansão da produção industrial este ano também não sofreu mudança, mantendo-se em em 10,66%. Para 2011, a projeção caiu de 5,40% para 5,31%.
A projeção para a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB para 2010 subiu de 40,88%, na semana passada, para 40,95%. Na projeção para 2011, foi registrada uma variação de 39,55% para 39,80%.
A expectativa para a cotação do dólar se manteve em R$ 1,70, ao final de 2010, e em US$ 1,75, ao fim de 2011. Também ficou estável a estimativa do déficit em transações correntes (registro das transações de compra e venda de mercadorias e serviços do Brasil com o exterior), em US$ 50 bilhões, este ano, e em US$ 69,05 bilhões, em 2011.
A previsão para o superávit comercial (saldo positivo de exportações menos importações) subiu de US$ 16,4 bilhões para US$ 16,63 bilhões, este ano, e permaneceu em US$ 8 bilhões, em 2011. A expectativa para o investimento estrangeiro direto (recursos que vão para o setor produtivo do país) passou de US$ 32 bilhões para US$ 32,20 bilhões, este ano. Para 2011, a projeção caiu de US$ 38,5 bilhões para US$ 38 bilhões.

Monday, January 3, 2011

IPCA FECHOU O ANO EM 5,79 %

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) teve variação de 0,69% em dezembro e ficou abaixo do resultado de novembro (0,86%). Com isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) fechou o ano em 5,79%, acima dos 4,18% de 2009. Em dezembro de 2009, o IPCA-15 havia sido de 0,38%.
Uma das causas da redução no IPCA-15 de dezembro é a desaceleração de preços dos alimentos, que passaram da taxa de 2,11% de novembro para 1,84% em dezembro, levando a contribuição de 0,48 ponto percentual para 0,43 neste mês. Mesmo assim, o resultado do grupo Alimentação e Bebidas foi expressivo, equivalente a 62% do IPCA-15.
Parte dos produtos pesquisados apresentou menor ritmo de crescimento de preços. Como o açúcar cristal (de 14,05% em novembro para 4,12% em dezembro), pão francês (de 1,88% para 0,25%) e leite pasteurizado (de 1,53% para 1,47%). Outros ficaram até mais baratos de um mês para o outro. São exemplos o feijão carioca (de 10,83% para -12,72%), feijão preto (de 7,15% para -0,46%) e batata-inglesa (de 9,96% para -3,62%).
Mas os preços das carnes continuaram subindo e o quilo passou a custar, em média, 8,32% a mais em dezembro após a alta de 6,10% de novembro. Além do frango, cujos preços aumentaram 5,31% em dezembro e 3,33% em novembro, e da carne seca, com 9,12% no mês de dezembro e 2,73% no anterior. Individualmente, o item carnes foi o que exerceu maior impacto em dezembro, com 0,21 ponto percentual, e, com isto, tomou conta de 30% do resultado do índice do mês.
A taxa dos não alimentícios ficou em 0,34% em dezembro, abaixo dos 0,49% do mês anterior. Vários itens importantes apresentaram variações mais fracas do que em novembro ou mesmo queda de preços, com destaque para etanol (de 6,75% em novembro para 2,13% em dezembro), gasolina (de 1,92% para 0,07%), salários dos empregados domésticos (de 1,34% para 0,73%), artigos de vestuário (de 1,17% para 0,96%), aluguel residencial (de 1,05% para 0,73%), e artigos de TV, som e informática (de -1,35% para -3,45%).
Em alta de novembro para dezembro, os destaques foram as passagens aéreas (de -1,28% para 7,62%) e o ônibus urbano (de 0,07% para 0,30%) em virtude do reajuste de 2,13% nas tarifas do Rio de Janeiro em vigor desde o dia 6 de novembro.
Dentre os índices regionais, as maiores altas foram registradas em Fortaleza (1,02%) e Belém (1,01%), tendo em vista a forte pressão dos produtos alimentícios (2,77% e 2,46%, respectivamente). O menor índice foi o de Salvador (0,50%), onde os preços do etanol e da gasolina caíram 0,46% e 0,51%, respectivamente. Fonte IBGE

EXPORTACIONES BRASILERAS PARA 2011 - SE ESTIMA PARA 228 millardos de DOLARES

BRASÍLIA - O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior divulgou há pouco que a meta para as exportações brasileiras em 2011 é de US$ 228 bilhões, equivalentes a um crescimento de 13% em relação a 2010, quando os embarques somaram US$ 201,916 bilhões. Em 2010, as exportações alcançaram recorde, superando a meta do governo de US$ 195 bilhões.

Em relação a 2009, o crescimento das vendas no ano passado foi de 31,4%. Ou seja, o Ministério prevê para 2011 uma desaceleração no ritmo de crescimento das exportações

Saturday, January 1, 2011

DA CRISE EMERGIU O GIGANTE

Da crise emergiu um gigante
Uma mudança e tanto. O processo de estagnação da economia brasileira foi tão longo que só agora uma geração inteira está conhecendo as benesses de uma expansão duradoura. Em qualquer setor que se analise, em qualquer segmento social que se comparem os números, em quase todos os indicadores, o saldo é extremamente positivo. Peguem-se, por exemplo, as exportações do agronegócio brasileiro. Em apenas oito anos, a venda de produtos para o Exterior pulou de US$ 24,8 bilhões para os atuais US$ 73 bilhões. Assim como o volume de financiamento destinado à agricultura familiar, que saiu de R$ 2,19 bilhões em 2002 para R$ 16 bilhões este ano. O computador pessoal já está presente em mais de 35% dos lares brasileiros, enquanto há oito anos não chegava a 15% deles.
Essa numeralha à qual são tão afeitos os economistas, analistas e estudiosos do desenvolvimento serve para traduzir de forma lógica um sentimento que não é palpável, quase abstrato até, mas que está presente de norte a sul do País. Pela primeira vez em décadas, o brasileiro está mais confiante com seu futuro, está mais feliz e, por mais controverso que isso possa parecer, está realmente se sentindo menos vira-lata em relação às nações com pedigree. Estivesse vivo hoje, é provável que Nelson Rodrigues voltasse ao tema e, quem sabe, decretasse o começo do fim de um complexo que ele traduziu com maestria no já longínquo ano de 1958.
Os frutos que estão sendo colhidos agora começaram a ser plantados há mais de um década e meia, ainda no governo do ex-presidente Itamar Franco. É indubitável a importância do Plano Real para o ciclo de desenvolvimento que o Brasil vive neste momento. Sem a estabilidade econômica conquistada a partir de 1994 – e o consequente controle da inflação –, pouco do que se comemora hoje seria possível. “Com inflação não se planeja nada. O sistema financeiro não dava crédito, olhava só para o dia seguinte e nós brincávamos que o longo prazo era uma semana”, conta Cristiano Souza, economista sênior do banco Santander. Os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, castigado por sucessivas crises econômicas internacionais, mostram que o processo de solidificação do plano foi difícil e custoso ao País. Para conseguir manter a inflação em taxas “aceitáveis” – inferiores a dois dígitos –, FHC precisou atuar com uma taxa de juros que quase sempre esteve acima dos 20% ao ano, causando prejuízos graves ao setor produtivo brasileiro. Fernando Henrique Cardoso foi muito criticado, principalmente no seu segundo mandato, mas é indubitável também que seu compromisso com a estabilidade da moeda e sua preocupação fiscal criaram um ambiente propício para as profundas mudanças que o País acompanharia nos dois governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Em 16 anos tivemos apenas três ministros da Fazenda, quando o tradicional era termos um a cada semestre. Isso mostra a estabilidade que o País conquistou”, diz Sardenberg, da Febraban.
O grande mérito de Lula, talvez, tenha sido a forma responsável com que tratou as conquistas de seus antecessores e principais adversários políticos. Ao contrário de outros momentos da história política brasileira, seja em tempos de democracia, seja em tempos de absolutismo, Lula não tratou de desconstruir o passado para criar um futuro a partir do zero. Aproveitou-se da estabilidade econômica herdada de Fernando Henrique Cardoso para, aí sim, dar início a uma estratégia de desenvolvimento poucas vezes utilizada por aqui. Ao ir contra a máxima de esperar o bolo crescer para depois repartir, Lula jogou fermento na economia brasileira. Ao iniciar o longo caminho da distribuição de renda com programa sociais acusados de assistencialistas, como o Bolsa Família, conseguiu injetar dinheiro em camadas da população que viviam absolutamente à margem da economia. Além disso, trabalhou de forma árdua para uma valorização real da renda do trabalhador brasileiro.Foi uma mudança sem precedentes e o resto é história.
Um país pronto para se tornar potência
A esperança agora é de que o Brasil de 2010 não tenha o mesmo futuro daquele de 1958, quando Nelson Rodrigues nos diagnosticou com o tal complexo de vira-latas. Como agora, o País vivia uma época de euforia. Foi um ano em que os brasileiros acreditaram estar entrando, enfim, na tão esperada modernidade. As fábricas cuspiam para as ruas o DKW-Vemag, que com suas 50% de peças nacionais mostrava a capacidade da indústria brasileira. Oscar Niemeyer começava a tirar do papel as curvas de concreto que deram forma a Brasília e João Gilberto, pela primeira vez, mostrava ao mundo aquela batida única, exclusiva, só dele, que viria a revolucionar toda a música brasileira. Este ano que acaba agora não tem, nem de longe, o glamour, a leveza e a fantasia que envolveram aquele finalzinho da década de 50.
Mas não tem também as raízes de uma escalada inflacionária e da dívida externa que iriam levar o País à bancarrota anos mais tarde. E nem as sementes de um processo conservador que desaguariam em um golpe militar violento. Ao contrário de 1958, 2010 não se encerra como um ano em que, de uma hora para outra, as esperanças de um país melhor surgiram trazidas por um grande salvador prometendo mudar tudo e todos. A grande diferença é que desta vez o processo de desenvolvimento é gradual e, ao que tudo indica, está calcado em alicerces firmes. Mas nem tudo é alegria. A outra grande diferença entre esses dois períodos marcantes da história brasileira é que o meio campo da seleção que disputou a Copa do Mundo da Suécia contava com Didi e Pelé, enquanto a de 2010 teve Júlio Baptista e Felipe Melo.

PROJETO PARA AMERICA LATINA

Projeto para a América Latina
Mais do que laços econômicos estreitos, Lula quer trabalhar com líderes regionais para conseguir criar uma identidade comum aos povos do continente
Claudio Dantas Sequeira
TABULEIRO
Lula quer transformar a
região em um polo de poder
Em um planeta cada vez mais multipolar, a formação de blocos regionais tornou-se um arranjo natural para países que buscam um lugar de destaque no tabuleiro geopolítico. Mas obter o consenso entre nações com características, povos e interesses diferentes não é fácil. Há
25 anos, o Brasil lidera o processo de integração regional. Começou com o Mercosul, avançou para a União de Nações Sul-Americanas e ensaia sua expansão para toda a América Latina. Durante seus dois mandatos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou a consolidação desses processos, e agora, fora do governo, deverá ajudar Dilma Rousseff a avançar de maneira sólida para transformar a região num polo de poder mundial. O recado foi dado na sexta-feira 17, durante a cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, última participação internacional de Lula como presidente. “Eu certamente em outro momento estarei reunido com vocês”, disse o brasileiro.
“Provocaremos uma revolução na mentalidade e percepção dos cidadãos.”
BASE
Lula vai usar a fundação que criará
para sugerir ideias aos países do bloco
Unificação de culturas
Lula seguirá lutando pela integração latino-americana através da fundação que planeja criar, após deixar o Palácio do Planalto. “O presidente quer ajudar na integração da América Latina e na cooperação com a África”, diz o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho. Lula tem dito a interlocutores que sua concepção de um bloco regional passa pela construção de uma identidade do Mercosul, “de baixo para cima”. Isso se dará não só a partir da boa relação com os demais chefes de Estado latino-americanos, mas principalmente por meio de medidas sociais, que afetem o dia a dia da população. Ou seja, não basta seguir o protocolo diplomático ou dar lastro institucional ao bloco. É preciso interferir na vida do povo e fazer com que ele se sinta sul-americano, latino-americano. “Desde o início do governo o Lula bateu na tecla da autoestima dos brasileiros, que andava baixa. Agora, ele defenderá a identidade comum que une nossos povos, a ideia de que todos somos irmãos”, explica um assessor. Espera-se assim que vizinhos argentinos, paraguaios e uruguaios não se sintam menores que os brasileiros, ou nos vejam como rivais, mas no mesmo nível.
DIFERENÇAS
Lula é bem-aceito por esquerdistas,
como Fidel, e por líderes mais à direita
É a partir desse pensamento que continuarão a surgir medidas como a de criar uma placa única para os veículos dos países-membros, aprovada em Foz do Iguaçu. A expectativa é de que em dez anos todos os carros do Mercosul tenham a mesma placa e possam transitar livremente pelas fronteiras, como já ocorre com os cidadãos comuns. “Em um primeiro momento será elaborada uma lista de todos os veículos cadastrados em cada país para depois criar uma lista comum. No final de todo o processo, todos usarão a mesma placa”, afirma o chanceler Celso Amorim. Além de permitir a livre circulação dos automóveis por todo o Mercosul, a medida permitirá um maior controle dos veículos que cruzam as fronteiras e reduzirá a incidência de roubos.

Essas iniciativas compreendem o que o governo Lula passou a de chamar Mercosul Social, um bloco mais político e menos econômico. Atendeu a esses interesses a criação do Parlamento do Mercosul, para o qual o Brasil deve eleger representantes em 2012,
e o chamado Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), cujas contribuições são utilizadas na recuperação de estradas
e construção de linhas de transmissão nos sócios menores do bloco.

E contra as críticas de que ações como essas não passam de maquiagem, considerando os problemas tarifários e comerciais que abalam o Mercosul, Lula entregou a Dilma um cronograma de ações para a implantação da união aduaneira – cujo esboço já foi chancelado pelos ministros das Relações Exteriores do bloco. “Queremos que a América Latina seja um polo de poder nesse mundo multipolar”, explica o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Ele foi incumbido da tarefa de preparar um plano de longo prazo para a consolidação e convergência do Mercosul com a Unasul (União Sul-Americana de Nações) e a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos).

O ingresso da Venezuela no Mercosul, uma iniciativa do próprio Lula, é parte desse processo de convergência. “É importante que um país como a Venezuela faça parte do bloco para reduzir as assimetrias. É um país em desenvolvimento e também um mercado consumidor importante para Brasil e Argentina”, explica o ex-presidente do Conselho de Representantes Permanentes do Mercosul, Chacho Alvarez, que foi vice-presidente no governo de Fernando de la Rúa.
APOIO
Cristina Kirchner, da Argentina, está
disposta a ajudar Lula em seu projeto de união regional
Mais política e menos economia
Nas últimas cúpulas desses blocos, aliás, os líderes políticos dos países vizinhos demonstraram boa vontade de apoiar a liderança brasileira, algo que não acontecia no passado. “Pela primeira vez temos um país que decidiu sair à arena internacional e esse é um dos grandes méritos e um de nossos desafios. O Brasil tem que ser consciente de sua responsabilidade e nós temos que apoiá-lo”, disse o presidente uruguaio, José Pepe Mujica. Segundo ele, Lula, mesmo fora da Presidência, ainda terá “muitas cartas a jogar”, tanto na integração latino-americana como na projeção internacional do bloco. “Sua experiência na inclusão social de milhões de brasileiros deve ser usada em toda a região.” O uruguaio está pensando no potencial consumidor dos 600 milhões de latino-americanos. Uma imensa população que desfruta de uma situação particular no planeta. A América Latina é um continente pacífico, tem uma das maiores reservas energéticas do mundo, um imenso potencial de produção de alimentos e uma biodiversidade extraordinária. Como bem disse a presidente argentina, Cristina Kirchner, é preciso ter inteligência para tirar partido dessas virtudes. “Não podemos cair na armadilha que nos imobiliza há 200 anos e inverter a lógica da divisão. É ‘unir para reinar’ e não mais o contrário.” E ninguém melhor que Lula para negociar
o consenso tão necessário.

BRASIL - QUINTA POTENCIA PARA 10 ANOS

Em dez anos o Brasil pode ser
a quinta maior economia do mundo

Economistas são pródigos em discordar de seus pares. Opiniões unânimes a respeito de previsões sobre como se comportará a economia no futuro são tão raras entre eles quanto discussões civilizadas sobre futebol. Nem mesmo quando o mundo estava prestes a cair no abismo da crise financeira de 2008 havia consenso sobre os riscos reais da inchada bolha imobiliária americana que viria a derrubar instituições aparentemente sólidas como o Banco Lehman Brothers. Desde o ano passado, no entanto, o Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de anos. “Estamos condenados a crescer e vamos ultrapassar rapidamente grandes potências. Hoje o Brasil ganha terreno, enquanto outros perdem”, diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas.
A opinião de Freitas parece ufanista. Mas não é. Excetuando alguns poucos momentos da história brasileira, nunca o País esteve tão preparado para dar um salto de desenvolvimento como agora. Estável, vivendo um ambiente de tranquilidade institucional, com ascensão social e econômica das parcelas mais pobres de sua população e sem pressões inflacionárias ou de liquidez, o Brasil caminha para se transformar em uma das cinco maiores economias do mundo nos próximos dez anos. “Nós já entramos na classe média mundial. Nosso PIB per capita atingiu os US$ 10 mil e acredito que possamos chegar aos US$ 20 mil em 2030”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. “Isso mostra que estamos crescendo de forma constante e, o melhor, com distribuição de riqueza.”
Demanda interna aquecida
Com a demanda interna extremamente aquecida, o Brasil pode se dar ao luxo de não precisar entrar em uma espiral de desespero com a crise que assola países desenvolvidos, como a que ameaça a União Europeia. “O bônus demográfico está a nosso favor, o pico de pessoas entrando no mercado de trabalho, produzindo, consumindo e tomando crédito só ocorrerá em 2020”, diz Cristiano Souza, economista sênior do Santander. Ou seja, como aconteceu em 2008 e 2009, a economia brasileira tem fôlego para continuar se expandindo, mesmo que haja uma recessão mundial. É claro que isso não se sustenta eternamente, como mostra a China, dona da maior população do planeta, mas que baseou seu espantoso crescimento no mercado externo.
O consenso em torno do Brasil não se restringe apenas à sua capacidade de se tornar uma potência econômica. Se estende também aos numerosos e complexos desafios que o País precisa enfrentar com urgência para conseguir fazer com que seu potencial de crescimento se torne realidade. E eles são muitos e diversos. Vão desde uma complicada estrutura tributária, passando por uma decadente e onerosa infraestrutura e um baixíssimo nível de investimento até chegar a um dos pontos mais complicados de ser resolvido: o ineficiente sistema educacional brasileiro. “Nunca vamos chegar lá se não resolvermos o problema da educação, esse é o ponto básico”, diz o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.